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A juventude evangélica brasileira e suas práticas culturais em Lisboa. Um estudo sobre lazer e tempo livre (2019-2020)

Brazilian Evangelical Youth and their Cultural Practices in Lisbon: A Study on Laisure and Free Time (2019-2020)

Kaique Cardoso
Universidade da Beira Interior, Portugal
Donizete Rodrigues
Universidade Nova de Lisboa, Portugal
Fabio Lanza
Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Brasil

Revista Argentina de Estudios de Juventud

Universidad Nacional de La Plata, Argentina

ISSN-e: 1852-4907

Periodicidade: Frecuencia continua

núm. 16, e073, 2022

revistadejuventud@perio.unlp.edu.ar

Recepção: 21 Novembro 2022

Aprovação: 27 Fevereiro 2023

Publicado: 03 Abril 2023



DOI: https://doi.org/10.24215/18524907e073

Resumo: Neste artigo evidenciamos diferentes teorias a respeito das juventudes, possibilitando uma ampla compreensão acerca desta categoria que pode ser analisada a partir de diferentes perspectivas, entre elas, a das práticas culturais. A investigação, de cunho qualitativo, explora as histórias de vida de treze jovens brasileiros evangélicos e aborda as problemáticas em torno dos elementos que compõem as práticas culturais, com ênfase no lazer e dos tempos livres, tendo como resultado diversas práticas culturais, dentre elas: Streaming, Música, Leitura, Cinema, Igreja e Turismo.

Palavras-chave: juventude, migração, culturas juvenis, práticas culturais.

Abstract: In this article we highlight different theories about youth, enabling a broad understanding about this category that can be analyzed from different perspectives, including cultural practices. The qualitative reserch explores the life stories of thirteen young Brazilian evangelicals, and addresses the problems related to the very category of youth seeking to understand the elements that make up cultural practices through a leisure time analysis, thus resulting in the emergence of seven categories of cultural practices of the subjects.

Keywords: youth, migration, young culture, cultural practices.

Introdução

A juventude pode ser compreendida por meio de diferentes perspectivas, desde teorias positivistas com viés biológico até mesmo às categorias culturais que implodem as faixas etárias e as conceptualizações a partir dos anos vividos, propiciando um alargamento da categoria jovens, não só no contexto sociológico, mas até mesmo em âmbito político, e psicológico. Neste artigo investigou-se: as definições teóricas que fossem capazes de nos fornecer um olhar a respeito da juventude, em suas particularidades e infinitudes, concomitante a um contexto social e económico desafiante e por vezes inédito dos jovens evangélicos brasileiros na região metropolitana de Lisboa; as práticas culturais que os jovens sujeitos realizam em seu tempo livre. Logo, esta investigação constrói uma abordagem que considera dois contextos, um anterior ao processo migratório e outro posterior a este mesmo processo.

Metodologia

A metodologia de investigação qualitativa permite uma maior apreensão de diferentes elementos da vida dos sujeitos, propiciando um processo de compreensão a partir dos elementos que compõem o próprio cotidiano dos sujeitos e suas interações. Logo, para esta investigação compreendeu a história de vida de treze jovens brasileiros migrantes que residem em Lisboa-Portugal. Tais entrevistas ocorreram em diferentes momentos, entre os anos de 2019 e 2020, e possibilitaram a compreensão de maneira ampla e generalizada de diferentes elementos que compõem a vida destes jovens (Ver detalhe no anexo metodólogico).

Para George Simmel (1983, 2006), nas interações das pessoas é que estão os fundamentos de todos os domínios da vida social, pois o indivíduo é o sujeito último da vida social, seu legítimo portador, sem desconhecer, no entanto, que existem grandes formações sociais como unidades próprias (Sanchis, 2011). Howard Becker (1994) enfatiza que a pesquisa qualitativa e suas técnicas possuem a vantagem da liberdade, através de perguntas espontâneas e de atitudes dos pesquisadores e dos pesquisados. Carlos Rodrigues Brandão (1984) contribui afirmando que «[...] a lógica, a técnica e a estratégia de uma pesquisa de campo dependem tanto de pressupostos teóricos quanto da maneira como o pesquisador se coloca na pesquisa e através dela» (p. 8). Por sua vez, Becker (1984) aponta: «[…] Podem ter vários tipos de atitudes que vão da pequena variação do número de sorrisos que afetam os resultados, até mesmo intervenções muito mais acintosas no funcionamento de uma organização (p. 74).

A necessidade inicial de captação das histórias de vida funda-se no confronto entre o universo tradicional e repetitivo que se opõe ao universo moderno, pois este tem em suas bases e preceitos a constante mudança (Poirier, Clapier-Valladon & Raybaut, 1995). Miguel Ângelo Montagner (2007) constata o retorno da valorização das fontes primárias de obtenção de dados que estão ligadas às subjetividades dos indivíduos, perpassando materiais biográficos, cotidiano e novas práticas culturais no processo migratório na região metropolitana de Lisboa.

Problemáticas teóricas

Compreendemos a juventude a partir de um olhar sociológico, que vem sendo constantemente reconstruído, uma vez que tal categoria é dinâmica, fluída e incontáveis são as controvérsias para compreender até mesmo a sua existência. Os avanços e retrocessos ao longo de todas as sociedades é incessante, especificamente no ocidente, onde a juventude tornou-se mais do que uma simples delimitação etária. Dessa forma, não buscaremos delimitar ou definir a categoria de juventude, mas expor diferentes abordagens que possibilitem um diálogo com as práticas culturais de jovens brasileiros migrantes em Lisboa.

Abordar a juventude enquanto uma categoria analítica, ou como um grupo homogêneo de comportamento social, requer entrelaçar algumas correntes teóricas e considerá-las diretamente implicadas com outros elementos, tais como: classe social, etnia, género, nacionalidade, religião, urbanização, desenvolvimento socioeconómico, entre outros (Groppo, 2004). A partir de uma síntese sociológica acerca da juventude, Luís Antonio Groppo (2009) aponta que, até os anos de 1970, prevaleceu um viés funcionalista sobre a juventude, uma vez que considerava apenas como uma fase de transição e integração na sociedade adulta. Os jovens eram vistos como rebeldes e delinquentes –por vezes considerados revolucionários–, transgredindo assim os valores sociais vigentes. Dentro de tal contexto, a moratória social consiste num período em que é permitido aos indivíduos errarem, uma vez que se encontram em transição e experimentação.

A própria ideia de juventude e erro se faz presente para três sujeitos desta investigação. Na trajetória de vida, os erros, cometidos no início da juventude, são justificados enquanto períodos de desregulação social, revoltas contras os familiares e instabilidades emocionais. Afonso1 apontou que a partir dos 16 anos de idade iniciou o consumo de substâncias psicoativas –cigarro, álcool e cocaína–, contexto este em que começou a sua busca por descobrir o mundo, os prazeres da vida e o gosto no consumo de tais substâncias que se intensificava ao frequentar discotecas e bares noturnos, resultando numa overdose ainda antes dos 18 anos de idade. Em suas palavras: «Era uma festa de aniversário e consumimos um kilo de cocaína, fizemos até chamada por Skype com um amigo que morava em Portugal e também consumia» (Afonso, comunicação pessoal, 01/10/2019). Concomitante a tal contexto, a violência, através de brigas, e agressões a outros jovens, direcionava Afonso para um contexto de extrema vulnerabilidade, porém tais situações se constituíam enquanto um êxtase para o jovem, sendo um elemento marcante do início da sua juventude, ainda no Brasil.

Os erros e a crença de que a juventude é o período de cometê-los, justamente para não os praticar na vida adulta, também permeiam a trajetória de Jonas e Henrique. Jonas experienciou um longo período abusando do consumo de bebidas alcoólicas, num contexto de mudanças físicas e até mesmo de estilo que o jovem vivenciou enquanto ainda estava no ensino secundário. O consumo de cigarros e cannabis fazia parte da rotina, juntamente com os amigos, a frequência a discotecas e violências físicas também eram constantes. Henrique, ao abandonar a igreja e vivenciar o término de um namoro começou a vivenciar um consumo excessivo de bebidas alcoólicas, pois «só queria ficar bêbado, ir para as festas [...]. Já fiquei jogado numa calçada, briguei com minha família, quebrei um portátil e vi a minha vida perder todo o sentido» (Henrique, comunicação pessoal, 17/08/2019).

Os três jovens consentem que o período vivenciado corresponde a uma revolta, ou até mesmo a sentimentos que, atualmente, sequer conseguem explicar; além, é claro, de uma fase de descobertas e experiências. Os percursos de vida refletem a realidade vivida por eles: já estiveram em situações degradantes e a conversão à uma religião acabou por lhes libertar do vício, dos maus hábitos e também das más influências, aproximando-se novamente de uma moral religiosa cristã.

Karl Manheim (1961) é um dos primeiros teóricos a considerar a juventude enquanto uma moratória social, ou seja, legitima os movimentos e problemas juvenis na construção de uma democracia participante. A moratória social e as disfunções provocadas pelos jovens, são compreendidas enquanto aceitáveis, uma vez que estes se encontram em transição (Pais, 1993).

O período de moratória social trazia alguns questionamentos acerca de sua elaboração, uma vez que esse período de experimentações e possibilidades reafirmava que a condição da juventude era também uma fase da vida inerente aos indivíduos. Compreendendo como algo inerente, dentro desse prisma analítico, tentava-se afastar os jovens de uma real e efetiva participação na vida política, mesmo seu potencial sendo reconhecido e trabalhado de forma não oficial. Além disso, havia uma constante busca para controlar qualquer tipo de boémia e radicalismo (Groppo, 2009).

As correntes teóricas analisadas por José Machado Pais (1993) apontam duas bases para a compreensão da sociologia da juventude. A corrente geracional determina que a juventude é apenas uma fase da vida, onde existem continuidades e descontinuidades e estas dão novos sentidos e atravessam as trajetórias dos indivíduos ao longo dos anos. A aproximação com o funcionalismo –tal como na análise de Groppo (2004, 2010)–, demonstra que a juventude é uma geração social e possui uma relação estabelecida entre si, uma vez que «[…] as experiências de determinados indivíduos são compartilhadas por outros indivíduos da mesma geração que vivem, por esse fato, circunstâncias semelhantes e que têm de enfrentar-se com problemas similares» (Pais, 1993, p. 40).

Existia uma expectativa de que as energias dos jovens pudessem ser canalizadas –e mais bem utilizadas–, num contexto da economia e da política mundial, visão essa ainda muito presente na sociedade atual e principalmente no meio religioso, que estes jovens transitam. Acreditava-se num protagonismo juvenil, na capacidade de os jovens tomarem a frente nos processos políticos e de participarem ativamente. Tal abordagem, porém, esbarra na interpretação da moratória social que, ao mesmo tempo, confere à juventude um período de erros e acertos, desde que esteja à margem da sociedade, reforçando um caráter que privilegia a geração, uma vez que o adulto é colocado num local onde tudo sabe, tudo compreende e deve transmitir seus conhecimentos para a nova geração, ou seja, para os jovens (Groppo, 2009). Porém, observa-se que a corrente geracional ignora alguns demarcadores sociais, uma vez que não considera as pluralidades culturais que emergem de diferentes contextos sociais, elementos estes valorosos para uma análise dos percursos de vida de jovens brasileiros imigrantes em Lisboa.

Considerando justamente as especificidades não elencadas na abordagem geracional, Pais (1993) nos contempla com uma compreensão sobre as juventudes, a partir das culturas juvenis. Neste sentido, ao realizar suas investigações, o autor compreende «a realidade juvenil através das relações –não propriamente de relações impostas pela teoria à realidade, mas através de relações de natureza objetiva, cuja busca perpassava a aferição pelo tipo de adequação da teoria à realidade (p. 327).

O contexto pós-guerra propicia diferentes compreensões a respeito da juventude. Sendo considerado um período de transição da infância para a vida adulta, ganha protagonismo ao ser pensada enquanto um período importante e preocupante –afinal, a transição implica em independência financeira e emocional, inserção no mercado de trabalho e construção de família, supondo ainda uma linearidade da vida, com etapas e ciclos bem definidos que serão superados (Pais, 1993). Algumas compreensões e conceituações teóricas são elaboradas para analisar contextos específicos, tal como dos operários, hippies, teddy boys, góticos, entre outros. Vitor Sérgio Ferreira (2008) elabora um interessante quadro analítico que apresenta tais conceituações, por vezes complementares.

Portanto, díspares são as inserções, as possibilidades e as vivências dos jovens, uma vez que para tal teoria a classe social e o gênero são condicionantes para todas as relações.

Para a corrente classista, as culturas juvenis são sempre culturas de classe, isto é, são sempre entendidas como produto de relações antagónicas de classe. Daí que as culturas juvenis sejam por esta corrente apresentadas como culturas de resistência, isto é, culturas negociadas no quadro de um contexto cultural determinado por relações de classe (Pais, 1993, p. 48).

Ao situamos a corrente de classe como um importante conceito e viés de análise, uma vez que as condições materiais têm relevância para qualquer período de transição, pensando ou não a partir de uma linearidade na vida do jovem. É notório, nesta investigação, o quanto tais elementos –classe e gênero– possibilitam diferentes condições migratórias e de inserção na sociedade, existindo, assim, grandes disparidades entre os sujeitos da pesquisa. Contudo, as culturas juvenis, ao serem abordadas –considerando as classes, gerações e géneros–, ressaltam ainda mais a necessidade de considerar os contextos de vida.

Refletir acerca das identidades dos jovens e buscar compreendê-las corresponde também em se aproximar de algumas análises teóricas, tais como do estudo da criminalidade, da delinquência juvenil e das subculturas, elementos estes marcantes nas ciências sociais. Buscamos, assim, uma aproximação com as culturas juvenis, justamente por compreendermos que tais identidades surgem nas brechas das clássicas teorias da corrente geracional, funcionalista e até da moratória social.

Supostamente, para Groppo (2004, 2010), o advento da modernidade demarca alguns importantes pressupostos teóricos para analisarmos as juventudes, tais como: vivência do imediato, o embaralhamento da infância e da maturidade, e um processo de juvenilização da própria vida. Rafael Santos (1992) ressalta que a juventude passa a dar espaço para os processos de juvenilização, deixando de ser transitória e se tornando um estilo de vida que agrade ao indivíduo consumista. O juvenil se transforma no juvenilizado, em que as idades não mais possuem ligação direta, pois a vida contemporânea consiste numa aparência amplamente desejada por clientes de uma cultura de mercado.

A juvenilização enxerga a própria juventude como um signo e, principalmente, possibilita que se torne um produto a ser consumido, principalmente pelos indivíduos que possuem maiores recursos financeiros. Possuir alguns bens materiais, tais como aparelhos tecnológicos e veículos, faz com que haja uma aproximação simbólica e estética do padrão diretamente associado à juventude. O corpo também é objeto desta juvenilização, onde é primordial ser saudável, disposto e magro, equivalente a uma ampla compreensão estética da juventude, resultando assim em vitalidade, energia e dedicação à construção e manutenção do corpo (Groppo, 2015).

Para Groppo (2015), a categoria juventude pode também ser compreendida enquanto um conceito de representação social de um estilo de vida, de um signo, onde a cultura de massas representa uma tentativa de apagamento dessas distinções. Quando associada à juventude, essa cultura consegue até mesmo mascarar as distinções sociais, uma vez que todos buscam os mesmos signos, através do consumo que se torna a saída para qualquer revolta dos jovens, o próprio capital, uma vez que tais signos, por eles difundidos, possibilitam controlar alguns elementos da realidade, da cultura, da estética e do belo.

Ao adentrarmos no campo dos símbolos e signos, relacionando a juventude ao consumo e processo de juvenilização, faz-se necessário compreendermos, teoricamente, no que o valor do signo se concretiza «[…] no consumo que persegue menos a utilidade intrínseca das coisas, mas antes as formas e imagens do sucesso, prazer, distinção e mesmo juvenilidade que parecem prometer» (Groppo, 2015, p. 559).

Os elementos simbólicos da juventude, que até então foram discutidos como rebeldia e revolta, são apropriados pelo capital, fazendo desses fatores e condutas uma força motriz para manter a juventude enquanto um signo, transformando-a num alvo a ser atingido, num desejo de consumo. Groppo (2015) ressalta que a rebeldia, novidades, audácia, liberdade, prazer, descompromisso, sedução e beleza são desejados enquanto um signo dessa suposta juventude que, cada vez mais, está esvaziada de um sentido real, tendo apenas um valor-signo que talvez garanta uma eterna juventude.

As culturas juvenis se constituem através de elementos quotidianos e práticos, dos quais ela própria é oriunda. Estar imerso na cultura juvenil corresponde a um movimento de constante troca que estrutura a juventude e por ela é estruturada. Carles Feixa y Pam Nilan (2009) enfatizam que a sociedade da cultura e do consumo não se restringe apenas ao meio ocidental urbano, mas que consegue penetrar em outros contextos, reforçando a concepção de uma sociedade de redes, correspondendo a uma dinâmica do local e global. As juventudes, constituídas enquanto um importante grupo de consumo, apresentam especificidades e adaptações, oriundas das diferentes localizações em que elas existem; porém, acima dos elementos locais apresentados, o seu caráter globalizante é intrínseco (Feixa & Nilan, 2009).

Pensar nas transições para a vida adulta –no contexto brasileiro– requer uma abordagem acerca de alguns elementos históricos recentes, mas que ainda ecoam, com grande ímpeto na vida dos indivíduos. A condição económica possui um grande peso nesse processo de passagem para a vida adulta, possibilitando, assim, diferentes momentos e compreensões das responsabilidades dos indivíduos; por vezes, tais possibilidades ocorrem de acordo com as próprias condições e recursos financeiros dos indivíduos (Ribeiro, 2014).

O contexto moderno, porém, respalda-se justamente numa transição não linear, em que cada vez menos se encontra tal ordenamento; ou seja, «não importa onde se encontrem, as vidas dos jovens assemelham-se cada vez menos a um modelo linear de transição» (Feixa & Nilan, 2009, p. 22).

A autonomia e a independência estão intimamente relacionadas e, por vezes, se confundem; porém, toda essa discussão transcorre justamente na construção de um indivíduo individualizado, oriundo das sociedades modernas, de uma sociedade narcisista. Para Francois de Singly (2005),

[...] neste ámbito, se puede comprender en teoría la ayuda financiera del padre y de la madre como una de las formas mediante las cuales se garantiza la necesaria protección del hijo. Los jóvenes pueden disponer de una cierta autonomía sin ser independientes (p. 115).

Refletindo a respeito desse ordenamento social presente nas últimas décadas, evidencia-se que o matrimónio, a independência financeira ou a reprodução sexual não mais consistem em demarcadores de entrada para a vida adulta (Camarano & Mello, 2006; Pais, 1993) e, consequentemente, de saída da juventude, pois «vivemos uma juventude cada vez mais dilatada, associando a transição entre educação e trabalho, namoro e casamento, infância e vida adulta» (Côté, 2003 apudFeixa & Nilan, 2009, p. 18). Ainda nessa compreensão, nota-se que, nas sociedades ocidentais, existem cada vez menos ritos fortes de demarcação da vida adulta, da infância e da juventude.

Com efeito, à vista de todos, e em todas as sociedades ocidentais, têm-se acentuado tendências que apontam para o prolongamento da co-residência familiar, e para o adiamento, dessincronização, e reversibilidade de rituais de passagem, que antes permitiam uma identificação pacífica da transição para a denominada vida adulta: a estabilização profissional, a residência autónoma, a conjugalidade, a parentalidade (Pappámikail, 2010, p. 401).

Alguns elementos também influenciam essa mudança de perspetiva, tal como o prolongamento da expectativa de vida, a crise do desemprego e o prolongamento dos anos de escolarização dos indivíduos, para mascarar a falta de emprego. Contudo, a reprodução e o matrimónio podem ocorrer antes mesmo da saída do seio familiar, entre outras tantas possíveis características, que cada vez mais fluidificam a passagem para a vida adulta e faz com que os poucos e enfraquecidos ritos não sejam condizentes com tal passagem (Pais, 1993).

A individualização e processos de transição para a vida adulta implicam diretamente nas compreensões acerca da migração, do trânsito religioso e também do quotidiano dos jovens, sendo a reconfiguração identitária um elemento central e marcante. Porém, para Groppo (2015), é necessário ressaltar que há uma implosão das categorias e da própria modernidade, elencando que o período de juventude não é apenas uma passagem para a vida adulta. Tal afirmação se sustenta em dois pressupostos. O primeiro consiste na descrença da noção de totalidade; mesmo com divergências e contradições, há uma dificuldade em conceber essa ideia totalizante, principalmente quando se reflete acerca da fluidez das identidades. O segundo é que existe uma nítida descrença no fato de que a geração mais velha educa a geração mais nova (no sentido durkheimiano), sendo a mudança oriunda do interior da própria modernidade. De acordo com Ana Amélia Camarano e Joice Mello (2006),

[...] os momentos no ciclo da vida ou as idades em que ocorrem os eventos que marcam o processo de transição variam no tempo, no espaço e por grupos sociais, bem como a sua duração. O conjunto destas características pode resultar em transições desiguais para a vida adulta. Isto se acirra num país marcado por extremas desigualdades sociais, raciais, e regionais como o Brasil (p. 19).

Dessa forma, enfatizamos que não se pode considerar a juventude apenas um processo de transição para a vida adulta, uma vez que incontáveis são os processos vividos pelos indivíduos aqui investigados, resultando até mesmo numa compreensão de juventude de forma diversificada.

As práticas culturais

Ao apreendermos as histórias de vida dos sujeitos, inquestionavelmente nos deparamos com as ocupações que possuem, havendo uma grande reincidência em duas áreas específicas, as atividades laborais e escolares. Este facto possibilita observarmos que, para os nossos sujeitos, o processo migratório também consistiu numa mudança da principal ocupação. Antes da mudança, as atividades escolares, sejam a nível básico ou ensino universitário, consistiam na principal ocupação de seis jovens: Hugo, Jonas, Yuri, Wiliam, Joana e Henrique. Por sua vez, as atividades laborais consistiam na principal ocupação de sete jovens: Liliane, Isadora, Nuno, Amanda, Afonso, Daniel e Guilherme.

Posteriormente ao proceso migratório, observamos que as atividades educacionais, a nível universitário, consistiam na ocupação principal apenas de Isadora e Amanda. O trabalho e os estudos consistem nas principais ocupações apenas de Henrique e Joana. Para o restante dos nossos sujeitos –Hugo, Yuri, Wiliam, Jonas, Isadora, Nuno, Afonso, Daniel e Guilherme–, a atividade laboral passou a ser a principal ocupação. As mudanças ocorridas ao longo da vida, especificamente quando se considera um processo migratório enquanto um marco na vida dos sujeitos, possibilita compreendermos que as práticas culturais se relacionam diretamente ao estilo de vida, as condições sociais, a localidade em que se vive e as inserções que rondam e estão acessíveis para os jovens.

Assim, ao buscarmos compreender as práticas culturais enquanto categoria analítica, inquestionavelmente nos deparamos com as problemáticas inerentes a compreensão da própria cultura. Tal compreensão das práticas culturais também atravessam as problemáticas do tempo e do espaço, uma vez que a própria organização cultural é influenciada pelo cronómetro, pelo tempo, resultando assim em sequências de atividades num tempo contínuo (Pais, 1998).

As práticas culturais correspondem a uma própria ação do indivíduo que se encontra inserido num determinado agrupamento social, onde as inserções e possibilidades por ele vivenciadas se fazem presentes na própria cultura a qual pertence e/ou vem a se inserir. No nosso estudo, focamos nas experiências concretas dos indivíduos, nas práticas culturais cotidianas dos jovens –anteriores e posteriores ao processo migratório–, buscando identificar as que possuem mais afinidades e frequência, além daquelas que estiveram presentes no passado e ainda se mantêm após o processo migratório.

As práticas culturais, em suas vastas possibilidades, são aqui compreendidas a partir de uma relação direta com outras categorias hodiernas e sociológicas, como o tempo livre e o lazer. As atividades laborais ou académicas consistem nas principais ocupações obrigatórias dos nossos sujeitos de pesquisa e de grande parte da população em geral. Como contraponto, faz-se necessário observar a existência do tempo livre, entendido como o período de ausência das atividades obrigatórias, onde

Como, segundo a moral do trabalho vigente, o tempo em que se está livre do trabalho tem por função restaurar a força de trabalho, o tempo livre do trabalho –precisamente porque é um mero apêndice do trabalho– vem a ser separado deste com zelo puritano… Por outro lado deve o tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lembrar em nada o trabalho (Adorno, 2002, p. 64).

Para reforçar esta ideia de Theodor Adorno (2002), observa-se que a vida atravessa obrigatoriedades em vários meios, tanto familiar quanto profissional: «La vie est orientée par nécessité, par devoir ou par plaisir presque uniquement par les valeurs du travail professionnel ou scolaire, par celles des obligations familiales, de l’engagement socio-spirituel ou socio-politique» (Dumazedier, 1974, p. 249).

O tempo livre, na concepção de Edgar Morin (2002), «foi corroído pela organização moderna, em novas repartições das zonas de tempo livre: fim de semana; férias» (p. 67). Logo, são variadas as possibilidades de preencher e ocupar o tempo livre, seja através das práticas culturais e de lazer, da religião, da política, dos hobbies ou mesmo do ócio. O lazer, ao preencher parte do tempo livre dos indivíduos, torna-se uma das principais variantes das práticas culturais, onde surgem infinidades de possibilidades não só práticas, mas, também, teóricas acerca da temática e da junção entre estas duas categorías, lazer e práticas culturais.

Por conseguinte, o lazer é considerado uma conquista, oriunda de um longo processo que está diretamente associado ao trabalho, industrialização, urbanização e globalização, sendo o ápice de tal processo a Revolução Industrial. Morin (2002) destaca ainda alguns contextos da jornada de trabalho semanal, em 1860, onde os indivíduos trabalhavam em média 70 horas nos Estados Unidos e 85 horas na França. Logo, o lazer corresponde a

[…] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou ainda, para desenvolver a sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais (Dumazedier, 1976, p. 94).

Os lazeres em suas inúmeras alternativas abrangem o bem-estar, o consumo e, inquestionavelmente, a vida privada dos indivíduos. Distante de ser compreendido apenas enquanto um período de recuperação do corpo físico, o lazer transmuta-se e ganha enorme preponderância associado ao consumo, através, não apenas do desejo, mas da aquisição de incontáveis eletrodomésticos, eletrônicos, viagens, equipamentos automobilísticos, gerando assim um autoconsumo da própria vida individual (Morin, 2002).

Ao analisar as práticas culturais, Idalina Conde (1996) considera duas grandes áreas: os lazeres culturais e os lazeres cultivados. As práticas realizadas dentro do espaço domiciliário, e aquelas realizadas fora desse espaço, também são consideradas, evidenciando assim a panóplia de possibilidades das práticas culturais; situações e observações estas que também se fazem presentes nas histórias de vida dos jovens sujeitos deste estudo. A autora realça que

Ao nível do ter, a posse é realizada em compras, aquisições, investimentos nos equipamentos que povoam espaços pessoais e coletivos. Ao nível do fruir, o uso desses suportes em modos diferentemente ativos e expressivos. Ao nível do fazer, ou praticar, na acepção diletante e voluntarista do termo, o exercício amador de atividades culturais, em que ao invés da postura apenas receptiva como noutras práticas o indivíduo dobra em si a condição de autor e destinatário. Finalmente, ao nível do assistir, a frequentação de espetáculos e outros acontecimentos que, solicitando a lógica da saída rumo a acontecimentos se contrapõe ao uso e recepção domiciliária de suportes, bens, emissões (Conde, 1996, p. 118).

Ainda assim, as práticas culturais correspondem a diferentes modalidades e possuem dimensões onde associam-se aos próprios contextos de inserções, gostos, acessos e viabilidades, que acabam por influenciar na regularidade que determina os próprios regimes de consumo. As práticas culturais quando relacionadas com a posse de alguns bens de consumo –Smartphone, TV, E-reader, tablet e portátil– são influenciadas por uma indústria cultural que é composta por diferentes elementos, de suporte e informação, intensificando assim a própria reprodutibilidade (Conde, 1996). Sendo tais práticas culturais estabelecidas a partir de variados artefactos eletrônicos, observa-se que estes bens são «objetos-signos», que além de se relacionarem com a posse –por parte de um indivíduo–, também estão mesclados com as práticas culturais. O atual contexto, de difusão e massificação de tais «objetos-signos» fazem com que a problemática da dualidade de práticas indoors e práticas outdoors, não sejam tão prevalentes, uma vez que a portabilidade de tais objetos é total e estes são adquiridos a partir das condições económicas, sociais e do capital cultural de cada jovem.

Portanto, a cultura consistindo num conjunto de mediações simbólicas e normativas que acabam por serem representativas de determinados agrupamentos sociais, implica que as práticas culturais dos indivíduos correspondam a própria construção cultural que os cercam, onde

[…] insinuar o social, através de alusões sugestivas ou de insinuações indiciosas, em vez de fabricar a ilusão da sua posse. A posse do real é uma verdadeira impossibilidade e a consciência epistemológica desta impossibilidade é uma condição necessária para entendermos alguma coisa do que se passa no quotidiano (Pais, 1993, p. 108).

A indústria cultural possibilita uma diversificada possibilidade de acessos e práticas que podem ser semelhantes para milhões de indivíduos, igualando assim as possibilidades e práticas dos sujeitos. A indústria cultural ao fornecer produtos culturais –livros, cinema, música, games, séries, revistas– visa exclusivamente o lucro financeiro, contribuindo para a massificação do gosto, transformando-o em popular, implicando que seus produtos conduzam os indivíduos ao invés destes estarem constantemente à disposição (Coelho, 1989). Dessa maneira, a indústria cultural

[…] ao intervir na realidade humana e produzir novas necessidades, a indústria cultural possibilita eclipsar a contradição que resultaria da diminuição do tempo de trabalho na produção, que supre as necessidades vitais devido ao avanço técnico. Simultaneamente, a indústria cultural diferenciada da manufatura ou do artesanato, impõe seu esquematismo aos produtores, manipula os homens como engrenagens coisificadas da continuidade na reprodução ampliada do capital (Maar, 2008, p. 9).

Logo, a indústria cultural possibilita diferentes elementos que os jovens podem acessar, resultando assim em práticas culturais distintas, porém, por vezes, massificadas, ocupando grande parte do tempo livre e também do lazer dos nossos jovens sujeitos.

Todavia, a indústria cultural permanece a indústria da diversão. Seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão, e não é por um mero decreto que esta acaba por se destruir, mas pela hostilidade inerente ao princípio da diversão por tudo aquilo que seja mais do que ela própria. Como a absorção de todas as tendências da indústria cultural na carne e no sangue do público se realiza através do processo social inteiro, a sobrevivência do mercado neste ramo, atua favoravelmente a essas tendências (Adorno & Horkheimer, 1985, p. 198).

Contudo, ao fornecer diferentes elementos e possibilidades, a indústria cultural, associada aos objetos signos –que se retroalimentam–, disponibilizam aos jovens uma infinidade de opções que são também por eles compreendidos enquanto práticas culturais, associadas ao consumo e a determinados bens materiais, estimulando assim a cultura do voyerismo, onde o indivíduo está sempre a olhar, seja o jornal, a revista, ou mesmo os ecrãs tão presentes na vida quotidiana.

As novas técnicas criam um tipo de espectador puro, isto é, destacado fisicamente do espetáculo, reduzido ao estado passivo e voyeur. Tudo se desenrola diante de seus olhos, mas ele não pode tocar, aderir corporalmente àquilo que contempla. Em compensação o olho do telespectador está em toda a parte, no camarim de Brigit Bardot, como no foguete espacial de Titov (Morin, 2002, p. 70).

As práticas culturais dos treze jovens, sujeitos desta pesquisa, evidenciam contextos, inserções e experiências ora semelhantes, ora dissemelhantes, sendo reflexo da própria história de vida dos mesmos. Compreendendo a história de vida enquanto um amplo processo que possui diferentes etapas e vivências, as práticas culturais acompanham-nos em diferentes momentos de suas vidas, onde algumas práticas se mantêm até mesmo posteriormente ao processo migratório –aqui compreendido enquanto um momento demasiadamente relevante na vida dos jovens.

Buscando compreender as práticas culturais cotidianas dos jovens, em grande medida associadas ao tempo livre e lazer, é que a partir das histórias de vidas de nossos sujeitos definimos algumas categorias analíticas sendo elas divididas em: Streaming, Música, Leitura, Cinema, Igreja e Turismo.

Streaming

O Streaming é aqui compreendido enquanto uma prática cultural que ratifica a cultura do voyerismo e as ligações/dependências que os indivíduos possuem com os ecrãs, pois estes são cada vez mais relevantes e presentes nas práticas culturais que se encontram associadas aos equipamentos tecnológicos de comunicação –e que consequentemente possuem fácil acesso à redes móveis de internet. Alastrado não apenas no quotidiano dos sujeitos desta pesquisa, os equipamentos de comunicação integram a vida de parte significativa dos indivíduos.

Ao evidenciarem que suas práticas culturais cotidianas se passam também através das Mídias e equipamentos digitais, tais como a TV e as plataformas Streaming, apontam as suas novas formas de ocupação, não só do tempo livre, mas também dos pequenos intervalos que possuem enquanto estão a cumprir as suas atividades obrigatórias. É notória a facilidade de acesso aos diferentes tipos de serviços e conteúdos de Streaming, por parte dos jovens entrevistados, uma vez que para se conectar a tais plataformas, seja ela qual for, é necessário apenas um Smartphone, um portátil ou uma Smart TV.

As plataformas de Streaming se popularizaram por oferecerem conteúdos de acesso ilimitado para os seus usuários, possibilitando uma massificação de conteúdos, como: séries, filmes, documentários, músicas, performances, entre outros. Os jovens apontaram que tal prática é de facto quotidiana e possui grande relevância em suas vidas, sendo o acesso a tais conteúdos e constante consumo de determinadas séries e filmes algo que inclusive possibilitou (e possibilita) fazerem amizades.

O acesso a esses conteúdos é realizado de diferentes formas, sozinhos ou acompanhados, podendo ser em casa, no intervalo do trabalho, no caminho até o trabalho, durante a execução de outras atividades, nos pequenos intervalos entre uma atividade e outra, nos dias de descanso e até mesmo como uma forma de descansar e relaxar. Todos os entrevistados afirmaram acessar, com frequência, algum tipo de serviço de Streaming. Apenas Henrique ressaltou não mais utilizar a Netflix, pois considera o valor cobrado excessivo e que há oferta de conteúdos nos sites piratas. Vejamos alguns depoimentos:

(…) gosto do Netflix e do Youtube, entre outras distrações, a partir das 17 horas começo a me preparar para o trabalho e paro de assistir, mas quando volto, sempre assisto algo, aí vou encaixando porque também leio a bíblia todos os dias (Wiliam, comunicação pessoal, 23 de outubro de 2019).

A maioria das coisas eu vejo no meu telefone, dentro do metro, gosto de ir assistindo as coisas e até notícias (Amanda, comunicação pessoal, 11 de setembro de 2019).

(…) sempre vou dando uma olhada, tem umas séries que já acompanho, mas às vezes também vejo a TV aberta, é bom para me manter informada sobre as coisas, até de Portugal (Nuno, comunicação pessoal, 2 de agosto de 2019).

(…) TV não assisto mais, isso em casa é coisa só para as crianças, eu fico mais no PC (portátil), já me habituei a escolher o que quero ver, então não tem mais dessa de ver o que está passando na TV, aí vou usando o Netflix, e outras plataformas, às vezes baixo (os conteúdos que deseja assistir (Afonso, comunicação pessoal, 1 de outubro de 2019).

Faz-se notório o quão presente é esta prática cultural na vida dos jovens, onde independentemente da companhia, localidade, condições financeiras, os nossos sujeitos conseguem realizá-la. O fácil acesso a uma infinidade de conteúdos através de aparelhos eletrônicos tornam-se objetos-signos e rondam a vida dos sujeitos durante todas as suas atividades. Dessa forma, conseguimos identificar os principais conteúdos acessados, sendo, em sua grande maioria, séries oriundas dos Estados Unidos: Breaking Bad, CSI, Vickings, Suits e Stranger Things.

Música

Ao identificarmos a prática de escutar músicas, enquanto prática cultural quotidiana dos sujeitos desta pesquisa, observamos que esta é realizada através de diferentes meios, como Spotify, Apple Music e Youtube. Todos possuem um consumo quotidiano de música, enquanto realizam suas atividades quotidianas: no transporte, cuidados pessoais, limpeza, alimentação ou mesmo durante o período de trabalho e de estudo. Ocorre de modo individual e/ou coletivo –em casa com familiares, compartilhando músicas no trabalho, em eventos musicais, entre outros. Tal prática cultural se encontra também diretamente vinculada a um objeto-signo –o aparelho Smartphone–, que todos possuem. Logo, a música enquanto prática cultural –com seus variados desdobramentos– também influencia e conduz os jovens a participarem de variadas apresentações artísticas e musicais, nomeadamente concertos com artistas Gospel.

Nota-se uma convergência de gostos musicais que está demarcado, principalmente, pelo Gospel (de adoração e de louvor), seguido pelo Rock Cristão. O gênero musical Gospel é uma unanimidade entre todos, com destaque para o grupo Hillsong United. Porém, os jovens imigrantes brasileiros evangélicos, sujeitos desse estudo, também escutam Jazz, Música Popular Brasileira, Folk, Reggae, Músicas Clássicas, Axé, Samba Enredo e Indie Rock.

A música, enquanto prática cultural, é um fator de forte influência na vida quotidiana dos sujeitos da pesquisa. A Amanda escolheu a igreja que frequenta atualmente a partir da referência acerca da qualidade musical da mesma.

Eu fui para a Igreja Hillsong só pensando na qualidade das músicas, sequer conhecia como era a pregação na localidade, na verdade nem sabia que a Hillsong também era uma Igreja (…) (Isadora, comunicação pessoal, 3 de novembro de 2019).

(…) sem dúvidas a Hillsong é a maior banda gospel do planeta, eles faturam bilhões em arrecadamento (Hugo, comunicação pessoal, 30 de novembro de 2019).

A frequência em diferentes apresentações e concertos já existia antes mesmo do processo migratório, quando ainda residiam no Brasil, sendo tais práticas de caráter religioso ou não. Assistir peças teatrais, concertos e outras apresentações é algo rotineiro. Porém, observamos que, para oito jovens, tais práticas culturais se intensificaram após o processo migratório.

(…) aqui (Portugal) já fui em duas orquestras, uma era de trilha sonora de filmes e a outra era sinfônica. No Brasil era impossível, pelo preço, distância e inacessibilidade, aqui é tudo mais acessível, o preço, o transporte (Liliane, comunicação pessoal, 3 de agosto de 2019).

(…) já fui a uma ópera no CCB (Centro Cultural de Belém), e fui numa série de apresentações gratuitas que teve no convento das freiras, era um conjunto de violinistas, com baixo (um tipo de guitarra elétrica), para pouquíssimas pessoas e de graça. Já fui em apresentação de Jazz, também. Mesmo quando eu morava em Porto Alegre (Capital do Rio Grande do Sul, Brasil), não frequentava, aqui é tudo mais barato, pago no máximo dez euros, e só vou quando estou com dinheiro (…) (Yuri, comunicação pessoal, 4 de janeiro de 2020).

Observamos também que Yuri, Nuno, Afonso e Hugo estabelecem uma relação ainda mais profunda e intensa com a música, uma vez que esta acaba se sobrepondo ao âmbito restrito da prática cultural associada ao lazer, sendo por eles compreendida enquanto um trabalho e um compromisso que lhes exigem dedicação, estudos e uma prática assídua. Estes jovens vêm desempenhando, há anos –desde quando residiam no Brasil– funções de cantor, instrumentista e até mesmo de sonoplasta, resultando assim num compromisso que é assumido consigo próprio e com a comunidade religiosa a qual pertencem.

Ao compreendermos a relação com a música, no sentido de produzi-la e de serem agentes musicais, faz-se notório que a trajetória e inserção em diferentes denominações religiosas foram essenciais para o processo de aprendizagem e aprimoramento das habilidades musicais que possuem. A transmissão de conhecimentos acerca da música, em sua grande maioria, ocorreu a partir das pertenças religiosas, ou seja, todos aprenderam a cantar e a tocar instrumentos musicais com outros fiéis das denominações religiosas pelas quais já transitaram. Dessa maneira, Yuri, Afonso, Nuno e Hugo, sendo músicos, acabam acumulando ainda mais atividades e responsabilidades com a denominação religiosa a que pertencem. Ao compreenderem a igreja enquanto um espaço de troca de conhecimentos musicais, acabam reforçando os laços de pertencimento à comunidade religiosa.

Comecei a ir na Igreja para tocar teclado, fui aprendendo e ganhei a confiança do Pastor, depois comecei a mexer com sonoplastia, técnicas de som… e fiquei responsável pela mesa de som naquela Igreja. Fui tendo mais influência, vivia na casa do Pastor, e de outras lideranças, tinha até a chave da Igreja… estar ali, aprendendo a bíblia com os jovens e tocando os instrumentos, fez com que todos nós crescêssemos juntos (Afonso, comunicação pessoal, 1 de outubro de 2019).

Sou músico desde adolescência, sempre tocava e cantava na Igreja, sempre tive um tipo de participação… desde que casei com a minha esposa, a gente toca e canta, pois ela é baterista (Yuri, comunicação pessoal, 4 de janeiro de 2020).

No entanto, a relação com a música, enquanto prática cultural, pode ser também independente das filiações e crenças religiosas. (…) eu não tinha relacionamento afetivo com ninguém, o meu prazer era só estar com amigos, estando em meio as músicas, skate, bebidas e drogas, só frequentava lugares com músicas boas, ia em várias casas de show (…) (Nuno, comunicação pessoal, 2 de agosto de 2019).

A trajetória de Afonso é atravessada completamente por sua paixão e dedicação a música, tendo sido radialista de um programa de Reggae e mantido o interesse por esse gênero musical mesmo após a sua conversão pentecostal. Como é típico deste movimento religioso, o seu pertencimento evangélico é marcado pela musicalidade:

(…) foi uma experiência sobrenatural, e nem aconteceu na igreja, foi numa casa, o rapaz tocou uma simples nota num violão, e eu comecei a chorar, vinha na minha mente cenas dos meus pais chorando, cenas da minha autodestruição, e o «cara» nem cantou, ele nem tinha iniciado o louvor (Afonso, comunicação pessoal, 1 de outubro de 2019).

Portanto, a música, em suas incontáveis possibilidades e variações, se reveste num amplo espectro de práticas culturais que se fazem presentes nas vidas dos jovens, sejam de cunho religioso ou mesmo secular.

Leitura

O interesse pela leitura, com um nítido predomínio do gênero cristão/gospel, é outra parcela significativa das práticas culturais dos entrevistados. A Bíblia Sagrada quase obteve unanimidade enquanto o livro já lido por todos, com exceção de Guilherme.

Para cinco dos nossos sujeitos investigados, a leitura da Bíblia é algo quotidiano, realizada por, no mínimo, uma vez ao dia:

(…) leio a bíblia sempre, antes ou depois do trabalho, todos os dias. Já acabei de ler pela segunda vez, é uma leitura diária e quando eu vejo, já acabou (Henrique, comunicação pessoal, 17 de agosto de 2019).

Gosto muito de livros religiosos, geralmente os que estudam a bíblia, eu lia muito quando cursava direito, mas agora a frequência diminuiu muito, mas ainda consigo ler um livro a cada três meses (Joana, comunicação pessoal, 4 de setembro de 2019).

(…) eu sempre leio a bíblia, sou cristão, obviamente leio a bíblia… leio muitos livros do meio cristão, do meio espiritual, gosto é dessa área, gosto também de história, gosto de ler as notícias de política… (Daniel, comunicação pessoal, 10 de janeiro de 2020).

A prática assídua da leitura da Bíblia trouxe novas compreensões acerca das práticas religiosas, mas gerando também questionamentos acerca daquilo que de facto constitui o indivíduo cristão, levando os jovens a refletirem sobre as instituições religiosas que frequentavam.

(…) depois que eu mudei de igreja, fui pra Videira, não me identifiquei com a instituição, era muito avivada e só tinha ênfase em cura e milagres, não havia um aprofundamento ou uma ênfase na palavra de Cristo, na bíblia (Guilherme, comunicação pessoal, 22 de julho de 2019).

(…) mantive a minha fé sem nenhuma instituição, eu busco uma fé pura, sem instituição ou acréscimos que as pessoas fazem na bíblia, ou mesmo práticas sem relação com a palavra (…) (Yuri, comunicação pessoal, 4 de janeiro de 2020).

Observa-se que a leitura religiosa é uma prática cultural relevante no quotidiano dos jovens. Há também aqueles que investem de facto nos estudos bíblicos, pagando cursos, seminários e congressos, além de participarem de grupos e buscarem incrementar a sua compreensão através de outros livros que transmitem ensinamentos e interpretações acerca da Bíblia Sagrada.

Como prática cultural, para além de leitura de cunho religioso, também leem obras seculares, tais como: Irmãos Karamazov, Hobbit, O monge e o Executivo e Pai rico e filho pobre. Leem também livros ligados às temáticas de empreendedorismo, amadurecimento emocional, teologia, espiritualidade, vida afetiva e autoajuda, resultando numa vasta gama de temáticas; porém, há um claro predomínio da leitura da Bíblia Sagrada.

Cinema

Enquanto prática cultural cotidiana, o cinema ganha destaque na grande maioria dos jovens, mas apresenta diferentes situações, referentes ao antes e depois do processo migratório:

No Brasil eu sempre ia, toda semana, até duas vezes para ver o mesmo filme, eu ia sozinha pro cinema, era mais fácil chegar ao Shopping, tinha cinema perto de casa (…) (Nuno, comunicação pessoal, 2 de agosto de 2019).

(…) ia uma vez ao mês, quando era lançamento global eu não ia… Frequentava muito no Brasil, embora isso seja pouco quando comparado com aqui. Os gastos que eu tinha lá são diferentes dos daqui, lá tinha que pagar Uber ou Táxi, não era só o bilhete então ficava muito ‘custoso’ ir ao cinema, enquanto que aqui é mais fácil (Daniel, comunicação pessoal, 10 de janeiro de 2020).

A partir da história de Liliane, nota-se que no Brasil havia uma grande facilidade para frequentar as salas de cinema, devido ao baixo custo do bilhete e também à praticidade de acesso e deslocamento. No entanto, para o restante dos entrevistados, a prática cultural do cinema –seja no Brasil ou em Portugal– está associada a alguns gastos para além do bilhete, como os custos acrescidos de transporte e alimentação.

É relevante especificar que Yuri, Wiliam e Jonas nunca frequentaram uma sala de cinema no Brasil. Relataram que não possuíam recursos financeiros suficientes para tal prática e/ou não havia esta oferta cultural em suas cidades.

No Brasil nunca tinha ido no cinema, por conta das condições financeiras mesmo, é muito caro, não fazia parte da minha vida, ia mais na casa de amigos e parentes pra assistir um filme (Jonas, comunicação pessoal, 10 de novembro de 2019).

O processo migratório alterou a frequência de todos quanto à prática cultural de frequentar os cinemas, sendo Liliane a única que considerou que o processo migratório piorou a (sua) situação.

(…) aqui a minha ida ao cinema diminuiu drasticamente, por conta de não saber falar inglês, e ainda não estar habituada a assistir filmes legendados, além de aqui não ter muita variedade de filmes, os que são portugueses eu não acho interessante, então as opções são poucas, também é mais difícil chegar ao cinema, pois eles estão dentro dos shoppings (…) (Liliane, comunicação pessoal, 3 de agosto de 2019).

Ao contrário de Liliane, os outros jovens afirmaram que a prática cultural de frequentar as salas de cinema se intensificou após o processo migratório e apontam as seguintes facilidades: valor acessível do bilhete, facilidade nos transportes e baixos custos com alimentação.

(…) é um dos lugares que mais vou, é uma das minhas «saídas» mais recorrentes, é ir ao MC Donalds e no cinema, onde quiser e sem me preocupar muito porque as coisas são baratas (Yuri, comunicação pessoal, 4 de janeiro de 2020).

Cinema é toda semana, toda semana, geralmente na segunda, quarta ou sábado, já aconteceu de ir mais de uma vez, em média gasto uns 70 euros por mês com cinema, assisto os filmes de ação, super-heróis, MARVEL, DC, exterminador do futuro, Joker (…) (Wiliam, comunicação pessoal, 23 de outubro de 2019).

Aqui é muito mais fácil ir ao cinema, o preço é melhor, eu passo no BK (Burguer King) e vou pro cinema, quinze euros eu lancho e assisto o filme e esse valor no fim do mês não faz diferença, agora no Brasil, isso seria impossível, gastaria 100 reais, e aí sim faria diferença no final do mês (Jonas, comunicação pessoal, 10 de novembro de 2019).

Portanto, segundo os relatos, o cinema é uma prática cultural que se tornou ainda mais assídua após o processo migratório. Existindo em Portugal uma maior facilidade de acesso, ir ao cinema passou a fazer parte do quotidiano dos jovens.

A Igreja

A igreja, primordialmente, possibilita uma enorme pluralidade de práticas culturais quotidianas, pois várias são as atividades e compromissos que se desenvolvem no contexto das igrejas, de acordo com os interesses e desejos dos jovens. Antes do processo migratório, todos já frequentavam uma organização religiosa, no entanto, com diferentes assiduidades, práticas e vínculos: por vezes, estavam acompanhados dos familiares (como Isadora) ou mesmo sozinha (como Amanda) e ainda através de participações online, tal como Jonas, que já frequentava o culto da atual igreja, antes mesmo de migrar para Portugal.

As igrejas –sejam aquelas que frequentaram no Brasil ou frequentam em Portugal–, são também locais de exercício de práticas culturais e sociabilidades, tais como: consertos de música, cultos, apresentações, ensaios musicais, formação religiosa, danças, teatros viagens, visitas, retiros espirituais, acampamentos, seminários e estudos, trazendo, assim, uma gama enorme de possibilidades para a vida dos jovens.

As práticas culturais estabelecidas na comunidade religiosa, construídas a partir da estreita relação estabelecida entre os membros da igreja, possibilitam a inserção em diferentes sub grupos e tribos juvenis, de acordo com as suas afinidades, que podem ser etárias, culturais, musicais, económicas, entre outras. É pertinente realçar que alguns desses pertencimento se iniciaram antes mesmo do processo migratório: Daniel era dançarino e líder do ministério de dança da sua igreja; Nuno foi pastor e músico de diferentes igrejas; Afonso era missionário e líder de células; Yuri era professor de música e líder do ministério de música da igreja que frequentava; Henrique era líder do ministério jovem e responsável por dezenas de células; Joana era estudante, em regime de internato, num seminário batista; Amanda era voluntária em movimentos de caridade da sua igreja; Guilherme jogava futebol com os jovens da sua igreja.

Portanto, as práticas culturais, anteriores ao processo migratório –e com um carater multifacetado–, se passavam através de atividades desenvolvidas dentro das igrejas que frequentavam. Posteriormente ao processo migratório, é possível observar uma intensificação no afunilamento das práticas culturais e sociabilidades com os indivíduos oriundos da mesma comunidade religiosa.

(…) meus amigos são da Igreja e do trabalho, pois é onde convivo, onde a gente gasta mais tempo, então é onde se faz as amizades, e inclusive todos os trabalhos que tive em Portugal, foram arranjados por algum irmão da Igreja (Afonso, comunicação pessoal, 1 de outubro de 2019).

(…) quando cheguei os meus amigos eram mais da faculdade, depois que me integrei melhor na Igreja acabei me afastando do pessoal da universidade, até acabar a amizade, praticamente. E agora convivo com as pessoas da Igreja e a colega lá de casa, mas ela não é evangélica, mas acabou se inserindo nesse ciclo de amizade com os meninos e meninas da Igreja (…) (Joana, comunicação pessoal, 4 de setembro de 2019).

Não tenho amizades que não sejam da Igreja, todos estão diretamente ligados a Igreja, até tenho alguns conhecidos, mas nos meus momentos de lazer estou sempre com a família e na Igreja, meu lazer é descansar na Igreja (Guilherme, comunicação pessoal, 22 de julho de 2019).

Portanto, para o jovem, evangélico e imigrante, a igreja constitui-se enquanto o lugar primordial de estabelecimento das relações sociais e, consequentemente, das práticas culturais. Para todos os nossos sujeitos da pesquisa, a sociabilidade juvenil que vivenciam em Portugal ocorreu através das relações estabelecidas a partir da comunidade religiosa que frequentam.

Vejamos o caso específico de Yuri: após chegar em Portugal e frequentar a Igreja Pentecostal Eterna Aliança –devido a influência dos familiares que já congregavam– decidiu buscar outra organização religiosa, justamente pela necessidade de uma sociabilidade juvenil.

(…) pedi a bênção do Pastor (da Igreja Eterna Aliança) para mudar de Igreja, e o Pastor disse que devemos congregar onde sentimos que vamos dar frutos, e se identificar com o ministério, porque o local onde congrega está ligado a salvação. Então acabei indo para a Igreja Missão Graça e Paz, pela estrutura, pelos pastores e por ter mais jovens também, fui influenciado pelos meus amigos, mas todos os familiares ficaram aqui na Eterna Aliança (Yuri, comunicação pessoal, 4 de janeiro de 2020).

É importante ressaltar que a frequência à igreja, para além da prática essencialmente religiosa, se constitui também enquanto prática cultural cotidiana, possibilitando desenvolver diversas atividades.

(…) venho pra Igreja no mínimo três vezes na semana. Segunda tenho curso de Teologia, sábado culto de jovens e domingo o culto normal, além do jiu-jitsu que é na Igreja, também, e durante a semana sou líder de célula…. Os meus amigos são da Igreja, pois são os que convivo mais, e tenho alguns colegas do trabalho (Guilherme, comunicação pessoal, 22 de julho de 2019).

É notório que, apesar das outras inserções que vivenciam em seu cotidiano, a igreja ainda se constitui enquanto aquela onde possui as pessoas mais próximas, as amizades mais verdadeiras e os relacionamentos afetivos. Observamos que, em sua grande maioria, eles possuem relações próximas e quotidianas apenas com os indivíduos dos locais em que trabalham e com a comunidade religiosa. O afunilamento das relações com a comunidade religiosa resulta assim numa vasta rede de indivíduos que se auxiliam mutuamente em relação a temáticas essenciais como o emprego, a documentação, a moradia, mas que também propiciam interações acerca do lazer, diversão, desporto entre outros. Essa realidade é semelhante a encontrada no estudo de Donizete Rodrigues e Marcos Silva (2014), sobre comunidades religiosas brasileiras nos Estados Unidos, que mostrou a necessidade dos indivíduos migrantes em manterem um sentimento de pertencimento étnico, reforçando, assim, a sua cultura e identidade.

Os sujeitos desta pesquisa, por vezes, restringem intencionalmente os indivíduos que fazem parte de seu cotidiano, privilegiando aqueles que são oriundos da mesma congregação, resultando numa sociabilidade religiosa que influencia diretamente todas as práticas culturais cotidianas.

Turismo

Os jovens desta pesquisa residem na área metropolitana de Lisboa, alguns em localidades privilegiadas e centrais, outros nas periferias, em localidades até mesmo de difícil acesso. O desejo e curiosidade em conhecer melhor a região metropolitana de Lisboa e outras cidades –não só portuguesas, mas também outras europeias– é algo constante e desejado por todos. A preocupação em conhecer de facto a localidade em que escolheram residir se faz presente nas suas histórias de vida, através de planos já executados ou em intenções futuras de viagens e experiências.

Pudemos identificar poucas relações com o turismo e até mesmo viagens anteriores ao processo migratório. Os jovens Nuno, Isadora, Afonso e Liliane apontaram mudanças de cidade, por vezes sozinhos e outras vezes acompanhados da família, porém em todas as circunstâncias as viagens e mudanças foram motivadas por questões de trabalho, estudo e saúde. Nenhum apontou desejo ou mesmo experiências acerca de viagens com a finalidade de turismo.

Ao chegarem num país que de facto escolheram como destino migratório, desperta-se um grande desejo de conhecer tudo aquilo que para eles é novo, podendo assim experienciar as informações e expectativas que adquiriram com colegas e em sites e blogues.

Após o processo migratório e devida instalação –encontrar casa, quarto, ou mesmo ir para a casa de familiares e amigos– observamos que houve um intenso deslocamento dentro da Área Metropolitana de Lisboa, buscando assim conhecer as principais localidades e monumentos turísticos, seja por iniciativa e desejo próprio ou mesmo a convite de pessoas próximas.

(…) Belém, Padrão dos Descobrimentos, gosto de ir no Castelo dos Mouros, Boca do Inferno, Palácio da Pena já fui duas vezes, Castelo de São Jorge, Torre dos Jerônimos, vou muito à praia em Sines, Carcavelos, nas praias de Cascais também, Praça do Comércio e no Chiado (Guilherme, comunicação pessoal, 22 de julho de 2019).

Algumas localidades são prioritárias, tendo todos já visitado: Padrão dos Descobrimentos, Parque Eduardo VII, Marquês de Pombal, Baixa Chiado, Torre de Belém, Mosteiro dos Jerônimos e Cascais. O Bairro Alto apresenta um grande fluxo turístico, sendo uma das zonas mais conhecidas de Lisboa, principalmente devido à sua boêmia noturna, que oferece dezenas de bares, clubes, restaurantes e casas de música. Cinco dos jovens fizeram referência a localidade, evidenciando não só saber do que se trata e onde fica o Bairro Alto, mas também de já terem frequentado esta conhecida zona urbana.

Gosto de sair pra tomar um cafezinho e à noite pra tomar uma cerveja, sair por aí andando sem rumo com os amigos, tenho até um lugar especial que fica na rua São Pedro, ao lado do Chiado, é um euro a imperial o lugar é feio, mas a cerveja é barata (risos) (…) (Isadora, comunicação pessoal, 22 de julho de 2019).

Vou de vez em quando ao Bairro Alto com amigos, para beber um bom vinho ou uma sangria, mas nunca fui de ficar na noitada e na bagunça por lá (…) (Hugo, comunicação pessoal, 30 de novembro de 2019.

(…) às vezes vou ao bairro alto com os amigos, pra curtir, andar, conhecer um pouco, entro numas baladas, mas fico pouco tempo, pois o cheiro do tabaco me incomoda (…) Pego uma cervejinha e fico de boas curtindo (…) (Jonas, comunicação pessoal, 10 de novembro de 2019).

As viagens dentro de Portugal igualmente se constituem enquanto um elemento de valor não só cultural, mas sentimental para parte dos jovens. Na generalidade, todos conhecem parte significativa das cidades que pertencem a AML, sendo principalmente apontados os concelhos de Almada, Setúbal e Sintra. No entanto, uma vez que as histórias de vida são ziguezagueantes, notou-se que outras cidades portuguesas foram também já visitadas: Porto, Guimarães, Famalicão, Tomar e Braga. Os que possuem mais experiências de viagens de turismo, enquanto prática cultural, não necessariamente são aqueles que estão a mais tempo no país, sendo tal relação oriunda de diferentes contextos, principalmente sociais e dos recursos financeiros dos jovens e de seus familiares.

As viagens internacionais também compõem o espectro do turismo enquanto categoria de práticas culturais. Amanda e Afonso foram os únicos que estiveram em outros países antes do processo migratório. Amanda visitou diversos países e viveu um mês em Portugal antes de tomar a decisão de migrar para o país. Afonso vivenciou uma tentativa de migração para Dublin, na Irlanda, para depois se instalar em Portugal. Contudo, posteriormente ao processo migratório, Yuri e Daniel são os únicos que já vivenciaram uma experiência de viagens internacionais –o primeiro visitou Madrid e o segundo as cidades de Frankfurt, Stuttgart, Londres e Atenas–.

Todos evidenciaram a intenção de conhecer outras cidades europeias. Como estão a residir num dos países membros da União Europeia, isso facilita e diminui os custos de viagem. Os principais destinos desejados são: Paris, Londres, Porto, Milão e Madrid. Contudo, as condições financeiras –principalmente, daqueles que estão no país há menos de dois anos– acabam adiando tal desejo.

(…) não adianta, primeiro tenho que fazer várias coisas, ter uma casa boa, um carro bom, conseguir de fato me estabilizar, depois começo a viajar, a curtir o que tem por aqui, mas existem essas necessidades que vem antes (Daniel, comunicação pessoal, 10 de janeiro de 2020).

Outra limitação que é imposta a sete dos jovens consiste na ausência da documentação para viver de forma regularizada em Portugal. Muitos aguardam por anos até a conclusão de tal processo, que envolve diferentes etapas e pré-requisitos. Logo, qualquer viagem internacional pode tornar-se um grande risco e colocar em causa tudo o que construíram em Portugal.

Conclusão

A modernidade possibilita incontáveis questionamentos e problematizações acerca da juventude, implodindo os modelos clássicos e deterministas. Ao compreendermos e analisarmos problemáticas referentes aos jovens imigrantes brasileiros e evangélicos na região metropolitana de Lisboa entre os anos de 2019 e 2020, a partir de uma perspectiva qualitativa de valorização das histórias de vida, evidenciamos o quão abrangente é tal discussão. A juventude, passou de uma mera fase da vida à uma categoria sociocultural resultado de mudanças sociais e culturais, que envolvem a concessão de direitos à criança, ao adolescente e ao jovem, além da consolidação dos anos escolares, período supostamente não produtivo, sendo a escola legitimada enquanto o principal espaço de socialização e preparação para a transição à vida adulta.

Logo, a juventude, enquanto uma condição a ser alcançada e mantida, vincula-se a uma questão económica e quotidiana, que nos direciona a uma compreensão das práticas culturais, compreendendo assim alguns padrões culturais dos indivíduos brasileiros que migraram para Portugal. Estes padrões de práticas culturais vivenciados por estes jovens sujeitos, evidenciou sete grandes categorias, enfatizando que estas práticas são reproduzidas por jovens que vivenciaram e vivenciam diferentes contextos sociais, mas que estão num mesmo contexto ao inserirem-se enquanto migrantes num país da Europa.

Os dados empíricos coletados a partir da história de vida dos treze jovens sujeitos brasileiros evangélicos que migraram para Portugal, indica que as práticas culturais relacionam-se não só com o tempo livre que dispõem, mas também com a hodiernidade da vida quotidiana. As principais categorias de atividades, elencadas a partir da análise da história de vida dos jovens, evidenciou um contexto semelhante e práticas que são realizadas por todos. O processo migratório permite, por uma questão financeira e disponibilidade de alguns elementos, o surgimento de novas práticas culturais, tal como a frequência às salas de cinema, que para muitos dos jovens era inviável no contexto de residência no Brasil.

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Apêndice

Anexo metodológico

Detalhamento e caracterização dos treze jovens entrevistados durante o processo de pesquisa.


Notas

1 Todos os nomes mencionados neste artigo são fictícios, e tal condição foi previamente informada aos jovens que concordaram em se manterem anônimos.
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